Xico Tarefa - Monte Velho
Não há quem não conheça o mestre Xico Tarefa no Redondo. Aos 69 anos, Francisco do Rosado, ainda faz mexer a roda e fala da sua arte com a mesma paixão de sempre. A sua olaria, no centro da cidade, é das mais reconhecidas e procuradas por quem vive e visita esta terra alentejana.
Não há quem não conheça o mestre Xico Tarefa no Redondo. Aos 69 anos, Francisco do Rosado, ainda faz mexer a roda e fala da sua arte com a mesma paixão de sempre. A sua olaria, no centro da cidade, é das mais reconhecidas e procuradas por quem vive e visita esta terra alentejana.
A sua generosidade é do tamanho do talento que descobrimos quando o visitámos. E este mestre não é só exímio a trabalhar o barro, é também um contador de histórias irresistível. E a melhor história é a sua. Foi nosso privilégio ouvi-lo falar da sua infância vivida no meio do barro, de como se tornou num dos melhores no seu ofício e como divulgou a sua arte pelo mundo.
““No meu tempo, o Redondo era uma vila de olaria. Havia cerca de 30 oficinas na cidade e, por isso, este acabava por ser o ofício com maior saída profissional. Eu vivia junto a uma olaria e passei lá muito tempo a brincar com o barro e a arte foi crescendo em mim”.
A olaria onde cresceu era uma das maiores do Redondo. Lá descobriu a arte e conheceu o seu mestre que lhe ensinou tudo e deu-lhe o espaço que precisava para ser criativo. Depois de horas de trabalho, ficava a fazer serão e a experimentar novas peças. “Durante o dia cumpria as ordens do meu mestre e à noite fazia o que queria. Felizmente tive um grande mestre que me ensinou a fazer tudo. Nem todos aprendiam a riscar e a pintar, pois era uma tarefa realizada pelas mulheres, mas eu tive a sorte de aprender. Tornei-me mestre aos 16 anos”.
Depois de cumprir serviço militar, regressou a casa e começou a trabalhar com crianças da vila. Num centro lúdico, ensinou olaria e ajudou a preservar a sua arte. Quando se reformou, montou a sua própria oficina e iniciou um novo caminho na sua história.
A sua identidade como artista sempre foi a olaria do Redondo. Este tipo específico de olaria tem como principal marca o desenho de três cores (amarelo, verde e castanho), e a técnica utilizada, na qual o barro é primeiro esgrafitado e só depois pintado. Os desenhos também são muito característicos, onde, normalmente, destacam-se os pássaros, os galináceos e as flores.
“«Com o tempo procurei novas abordagens. Tal como este projecto com o Esporão, que considerei logo um desafio. Era uma coisa nova, que iria requerer tempo e criatividade. Não poderia haver pressa para ser feito”.
Quando entramos na sua oficina, percebemos que todo o ambiente criado convida à paragem do tempo. Apesar de estarmos no centro da vila, há silêncio na sala. Não há distrações e é fácil perder a noção das horas cá dentro. Não rádio, televisão nem relógios. Os tons de castanho e a pouca luz natural dão uma falsa sensação da passagem das horas.
A mesa de trabalho está arrumada à sua maneira – está tudo à mão e o banco alto, na posição certa. Antes de começar a trabalhar, o mestre Xico liga o pequeno candeeiro e direciona-o para o centro da mesa. E o ritual começa. Os anos de dedicação trouxeram “traquejo” e as mãos já não precisam de guia.
Antes de chegarmos a esta placa, o mestre Xico experimentou outras técnicas e métodos, como protótipos de garrafas de vinho em barro com diferentes cores. O seu perfeccionismo e constante insatisfação levaram-no a tentar de novo. Foi então que se lembrou que faria sentido fazer algo com base no esgrafitado – uma técnica que consiste em desenhar com um objecto pontiagudo sobre uma peça de barro pintada de branco.
Feita a placa em barro, foi-lhe dado um banho de tinta branca. Depois do tempo de espera da secagem e do desenho do esboço feito, chega o momento de maior concentração e atenção ao detalhe. O silêncio é agora interrompido pelo som dos materiais – o carvão a passar no papel vegetal, o pincel a mergulhar na tinta ou o lápis a riscar o barro branco. “É preciso ter mão certa” afirma o mestre enquanto pinta as letras, seguindo o percurso das linhas.
Depois da técnica de esgrafitado, segue-se a secagem. Na olaria, tem de se esperar que a loiça perca 80% da sua humidade para secá-la ao sol – para não correr o risco de se partir. Posteriormente, no forno é cozida cerca de sete horas e precisa do dobro do tempo para arrefecer. Após estar cozida, é vidrada e volta ao forno durante seis horas.
E finalmente surge o resultado final. A magia de todo o processo esteve também na sua incerteza. Com o tempo, fomos ganhando prespectiva sobre a peça, compreendendo-a e tomando as decisões no ritmo certo. “Não estamos sempre a mexer na peça. Temos de saber esperar para dar o passo seguinte. Sendo uma peça feita pela primeira vez e à mão, cada passo foi uma surpresa. Ao longo do processo fomos fazendo melhorias aqui e ali. Eu acho que ficou excepcional e fiel ao seu lema “Feito devagar no Alentejo”. Mas, na verdade, eu sou suspeito”.