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Azeites: Paixão secular

Comunidade

Marcelo Scofano é cozinheiro e especialista em azeite, dá aulas numa instituição técnica no Rio de Janeiro e é autor do projecto Estilo Gourmet. A sua paixão pelo azeite tem-no levado a fazer um trabalho fundamental de divulgação e valorização do azeite no seu país. Na primeira pessoa fala-nos da sua experiência, da relação com Portugal e de como a história do azeite no Brasil se tem vindo a alterar.

Era o ano de 1995, quando o Brasil importava pela primeira vez um azeite virgem extra. Até aquele período os brasileiros só conheciam o que a normativa vigente hoje no país denomina como Azeite de Oliva Tipo Único, que era rotulado como ‘Fino de Oliva’, Intenso’ ou ‘Suave’. Segundo dados do Conselho Oleícola Internacional, naquele ano o consumo per capita era de 0,15 ml e a percepção sobre o produto era elitizada, um condimento sofisticado para pessoas que podiam pagar por ele. Cerca de 70% do mercado era dominado por grandes e tradicionais marcas portuguesas, seguido de 20% de espanhóis e o restante pulverizado entre azeites argentinos, italianos e libaneses.

No fim de 2006, quando eu estava recém graduado em gastronomia, recebi um convite para criar harmonizações dos distintos azeites que chegavam ao varejo no Rio de Janeiro com pratos da culinária brasileira. O panorama já era bem distinto, a carta de azeites tinha mais de 30 rótulos de variadas origens: Portugal, Espanha, Itália, Grécia, França, Chile e Argentina. Fiquei surpreso e fascinado com a diversidade sensorial. Era um mundo de novas descobertas – azeites com diferentes níveis de qualidade e preço chegavam a um mercado, cujo hábito de consumo era restrito a composição de molhos, tempero de saladas ou preparo de pratos de bacalhau. Uma mudança cultural evidenciou-se preponderante, quando diante de um alimento funcional, com nova e excepcional qualidade, o preço permanece sendo o principal condutor para a escolha do rótulo.

Deparei-me com um gigantesco desafio e o trabalho, feito inicialmente de forma intuitiva, me levou em busca do conhecimento, que me conduziu inclusive a encontrar o início da produção brasileira de azeite em sua história agrícola recente. Em 29 de fevereiro de 2008, na cidade de Maria da Fé, na serra da Mantiqueira, sul de Minas Gerais, foram extraídos alguns litros do que foi considerado o primeiro azeite virgem extra produzido no país. Na safra de 2017, dos pampas gaúchos até as franjas dessa famosa serra, entre São Paulo e Minas Gerais, o Brasil produziu 110 toneladas de azeite (0,15% do consumo interno). Ainda que relativamente insignificantes, os números mostram uma grande evolução que está quebrando paradigmas e que muito contribuirá para o incremento da qualidade do virgem extra comercializado no país.

São dez anos de estudo. Desde que descobri e me fascinei com a rica diversidade sensorial do azeite e sua cultura secular, dedico-me exclusivamente a aprofundar meu conhecimento e, como professor e cozinheiro, a difundi-lo em terras brasileiras. São gigantescos os potenciais de uso, inimagináveis as possibilidades de harmonizações com os pratos de nossa culinária, mas longo é o caminho também para derrubar mitos e distorções sobre suas propriedades e uso.

Hoje o Brasil é um dos mais importantes mercados mundiais com importação estimada em 65 mil toneladas para 2017. Ainda que de forma esparsa, mas com consistência, nos estados mais populosos da federação está em curso um processo educacional importante que, seguramente, transformará ainda mais o panorama do consumo de azeite no país. A Instrução Normativa do Ministério da Agricultura, implementada em 2013, também tem contribuído para regulamentar o mercado, através de fiscalizações por parte de órgãos do governo e incentivando iniciativas da sociedade civil.

Todos sabemos que a introdução do azeite na gastronomia brasileira deveu-se, sobretudo, à influência portuguesa. A diversidade contida no caldeirão cultural do qual nos originamos é hoje nossa principal identidade, cuja ausência de rigidez nos permite descobrir caminhos gastronômicos muito singulares, combinando ingredientes nativos com aqueles trazidos por todos os personagens que nos miscigenam há mais de 5 séculos.

A elaboração do novo virgem extra, seu frescor e todo o rico leque sensorial que nos proporcionam os vários azeites do mundo representa a continuação do natural processo de formação da aldeia global, iniciado com as circunavegações portuguesas.

Não se trata, portanto, de um modismo ou da “gourmetização” de um simples e conhecido condimento. Trata-se de uma transformação cultural que nos impele a informar e difundir que o bom azeite é o azeite fresco, elaborado com todos os cuidados a partir de azeitonas saudáveis e o que caracteriza sensorialmente sua qualidade são aromas e sabores que traduzem a terra, a natureza do território e o rico labor do ser humano que busca eternamente a perfeição. Pois, além de tudo, tais características estão diretamente relacionadas às concentrações de bioativos que nos trazem inúmeros benefícios à saúde. É um alimento com valores únicos.

Quando conheci Ana Carrilho, atual azeitóloga do Esporão, em 2012 no 2º Congresso de Análise Sensorial em Priego de Cordoba na Espanha, uma amizade se consolidou através da paixão pelo azeite. Os convites para acompanhá-la em algumas campanhas no lagar do Esporão foram oportunidades únicas para testemunhar que azeite se faz com poesia, sensibilidade, conhecimento e muita experiência.

Tudo isso somado, convenhamos, nos ajuda a compreender que elaborar bons azeites não é apenas produzir um alimento funcional de importância cultural incomparável no mundo, mas é, sobretudo, criar blends ou extrair varietais que traduzam excelência, expressem o território e proporcionem prazeres únicos, tradução do hedonismo gastronômico junto a toda saudabilidade que o azeite nos traz! Um brinde à saúde, a paz e a união entre os povos.

Marcelo Scofano, 2020

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